terça-feira, 1 de julho de 2014

Uma história feliz (III)

      Assim, quando ele, naquela noite a acompanhou a casa, ia determinada a pôr um fim naquela situação que se arrastava e a ia arrastando para o que já lhe parecia a verdadeira infelicidade. Com a sua delicadeza - que a delicadeza não se despe como uma roupa amarrotada - foi-o preparando para o que ali vinha. começou por dizer que precisavam de falar.Os alarmes dele não soaram, não estranharam e ele disse mais uma piada. Ela cerrou os dentes. Depois começou por explicar que não se sentia bem naquela situação e ele interrompeu-a e perguntou-lhe qual situação. Ela apertou as mãos uma na outra para não se desviar do plano que tinha traçado. Disse-lhe então que os sentimentos dela não eram tão fortes como tinha suposto, que o princípio de relação não a estava a deixar satisfeita. Pelo menos parecia-lhe que era isso que estava a dizer, mas ele ainda não estava a querer entender. Então ela impacientou-se e disse que queria acabar com tudo. Ele estacou no meio da rua e a luz dos candeeiros deixou ver que ele lhe fazia uma pergunta tão muda quanto perplexa. O facto de ele não ter nada para dizer naquele momento, deixou-lhe espaço para ela dizer o que tinha a dizer. Foi delicada, foi querida, conseguiu explicar o que sentia, sem nunca lhe falar do incómodo que era ele falar alto, ser o bobo de serviço ao grupo, sem referir a sua estridência e a sua exuberância. A expressão do rosto passou do espanto a um rito magoado e voltou ao espanto e depois ficou indefinida, mas era triste. 
      Ela olhava-o agora espantada. Ele estava tão calmo, porque é que não podia ser sempre assim? Pôs-lhe a mão no braço, mas ele afastou-lha um bocadinho mais rápido do que era de esperar ao mesmo tempo que dizia não. Levantou os olhos, olhou-a bem e disse com muita calma que estava bem, se era assim que ela queria, que estava bem e afastou-se. Ela ficou imóvel, mas qualquer coisa dentro dela lhe gritou que não podia ser assim, não podiam afastar-se com um simples está bem, como se ela lhe tivesse pedido para ele lhe trazer qualquer coisa do supermercado. Correu um bocadinho e chamou-o, mas ele não parou, nem se voltou. Limitou-se a levantar o braço direito, a deixá-lo erguido no ar por uns segundos e quando ela repetiu o seu nome, acenou-lhe com a mão, sem se voltar. Ela não sabia, não podia saber que as lágrimas lhe corriam pela cara, que a rejeição que ele sentia não podia ser vista por ela, que se sentia amarfanhado como uma folha de papel. Ele foi para casa e não dormiu. Ela foi para casa, primeiro não dormiu, mas depois um alívio culpado tomou conta dela, porque vinha da dor de alguém, e acabou por adormecer e dormir até muito bem. Não sabia se a sua seria uma história feliz, mas pelo menos garantira que não seria mais uma história infeliz.