segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Poema do dia de hoje

As horas passaram,
Eu perdida.

Como escrever o poema do
dia de hoje, se
se agitam em mim as palavras dos
poetas de ontem?

Como escrever o poema do
dia de hoje, se
o dia foi sem poesia?

O poema do dia de hoje
é a fome do verso
que não escrevi,
é a procura ansiosa
do que não perdi.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Da solidão

Alguém terá dito, sabendo bem o que dizia, que mais vale estar só do que estar com quem nos faz sentir sós. Já Camões, falando do amor, achou a feliz expressão: "solitário andar por entre a gente". É isto que resume a essência da solidão: ter os outros ali tão perto e parecer que não há possibilidade de vencer a curta distância a que  eles estão. Mesmo aqueles que pensam que a sua solidão resulta da barreira das paredes, é desta mesma solidão que se queixam. Como explicar este paradoxo: que no mundo inteiro vivam tantos milhões de pessoas e não podermos encontrar aquela que venceria a nossa solidão. 
Imaginemos, como na música, que tal era possível, que o outro podia ser a palavra, que o outro podia ser o gesto, que o outro podia ser o refúgio, que o outro se podia abrir a nós e acolher-nos, apagando, talvez duas solidões, a nossa e a dele. Imaginemos que agora era possível estender a mão e tocar outro mão, que se apertava em torno à nossa, que um calor estranho invadia o frio do meu medo de estar só, inexoravelmente só.
A indiferença mata, mata mais do que as palavras. Sim, sabemos que verbalizar isto é abrir a caixa de Pandora. então vou eu agora, no meio da minha própria insanidade, pedir que me agridam por palavras, pedir a violência das palavras só porque me sinto só? No entanto, pensemos, mesmo que pareça absurdo ou surreal: eu posso responder à palavra do outro, a palavra de alguém que me fere, ainda que aguçada, ainda que um punhal, é dirigida a mim, reconhece a minha existência, faz de mim um objeto, faz de mim uma presença. E eu posso agitar-me com ela, posso pegar nela e devolvê-la, posso rejeitá-la e explicar porquê, posso analisá-la e argumentar contra ela. As palavras dão-me a possibilidade de me defender. Já a indiferença anula-me, apaga-me, rasura-me, não me reconhece, faz de mim uma abstração e eu nada posso fazer, a não ser ver-me como uma irrealidade, uma insignificância que nem uma palavra merece. Perante a indiferença, só uma saída me resta: sentir-me só.
Como se dizia num programa de rádio: "vale a pena pensar nisto".