terça-feira, 26 de agosto de 2014

Fica o desejo de voltar (II)

Dia 2 - 05-08-2014
           
           
            A tenda está montada, quer isto dizer que estamos instalados. Os outros voltaram a deitar-se e continuam a dormir, eu sentei-me cá fora a ler: A viagem dos inocentes, de Mark Twain. Parece apropriado ler um relato de viagem quando se está a viajar. É uma leitura apelativa e, em alguns momentos, verdadeiramente divertida. À minha frente uma numerosa família ou grupo de viajantes holandeses toma o pequeno-almoço. Nunca houve parque de campismo em que me instalasse onde não houvesse holandeses. Tenho para mim que são o povo que mais faz campismo. Era inevitável, também o sono se abateu sobre mim. Fui dormir.
            Dormi pouco, porque os ruídos do parque me acordaram e consegui convencer o Tó a levantar-se também. Aos miúdos parece que nada os vai arrancar da cama nas próximas horas tão pregados estão.
            Resolvemos sair do parque a pé. Não conhecíamos o sítio onde estávamos, fomos andando pela zona pedonal. À nossa frente ergue-se uma colina verdejante onde pastam vacas, mais acima uma parede de rocha, de cor cinzenta, contrasta com o verde das pastagens mais abaixo. O rio ouve-se distintamente. Junto à entrada da primeira casa que encontramos dois espanhóis falam da maneira como vão ocupar o seu dia, distingo a intenção de irem a Llanes. Também nós lá queremos ir. Logo depois, passamos por uma loja de artigos regionais, com destaque para a sidra e para o queijo de Cabrales, há também muitos enchidos. A loja dispõe ainda de um merendero onde se servem tapas e pratos típicos asturianos. A zona de refeições fica sob as copas das árvores, as mesas são de plástico, mas tem muito bom aspecto. Cruzámos a ponte sobre o rio, as águas são absolutamente transparentes e o curso é rápido. À nossa direita outro restaurante, sidreria, vamos tomando nota. Finalmente, encontramos um supermercado, que anuncia fruta das Astúrias. Entramos e para nos estrearmos compramos um pouco de queijo de Cabrales, que pertence ao tipo queijo azul, parece ter mais bolor do que queijo… Procuramos sidra. A sidra era um dos produtos que nos trouxe às Astúrias. Vínhamos com a informação de que é o produto mais conhecido das Astúrias, verdadeiro emblema nacional e símbolo de identidade. Já tínhamos estado numa zona de sidra, na Normandia, mas não houve aí tempo para conhecer o produto e as suas variedades. Junto à secção das bebidas espirituosas encontramo-la. Havia a sidra natural, que não conhecemos, e outras duas variedades. Optámos pela marca El Gaetero. Parecia a mais próxima da que tínhamos encontrado na Normandia e mais semelhante à marca Somersby, de que todos gostamos muito. Conto isto para depois se perceber como era desmedida a nossa ignorância a respeito da sidra e da forma como deve ser bebida. Não estávamos iniciados nesses ritos tão antigos e importantes para degustar a sidra asturiana. Mas viajar é aprender…
            Almoço no parque, é sempre piquenique, é sempre agradável. Deixa sempre uma sensação de bem-estar. Durante o almoço, definimos como iríamos ocupar o resto do dia. Uma vez que o território das Astúrias tem cerca de 350 km de costa, optámos por uma ida à praia.
            O destino escolhido foi a praia de Torímbia, em Niembro, no concelho de Llanes, porque tínhamos lido que era uma praia idílica, porque estava relativamente perto. Saímos de carro em direção ao centro da vila, muito típica, com casas cuja altura não excedia os três andares, com uma boa oferta hoteleira e uma excelente oferta de cafeterias, restaurantes e bares. Os espanhóis têm mais o culto da vida social e de exterior do que os portugueses.
Atenta às indicações, verifiquei a existência e uma placa que indicava a direção da conhecida Ruta del Cares a 7 km. Tomei nota. Havia ainda a indicação do miradouro Naranjo de Bulnes, ou Pico Urriellu, o tal que é muito conhecido. Tomei nota.
A estrada segue até Poo de Cabrales e depois começa a subir vertiginosamente contornando os picos que envolvem o vale onde nos encontramos. As vistas voltam a ser surpreendentes e suspendemos a respiração, sem deixar de ter a boca aberta. Concluímos em conjunto que o lugar é mesmo bonito. Há zonas da estrada que são escavadas na rocha que fica suspensa sobre nós. Algumas vertentes têm formas caprichosas, noutras a erosão tem trabalhado tanto sobre a rocha, que as vertentes têm, na verdade, um aspecto instável. A informação do perigo de derrocada é quase contínua. Há passos em que aceleramos quase inconscientemente, porque não nos apetece estar por ali. As formações geológicas, a uma escala diferente, fazem-nos lembrar as serras de Aire e Candeeiros. Terei que investigar para confirmar esta hipótese. Por outro lado, há zonas que fazem lembrar os Alpes. Um dos países que gostaria de conhecer pela sua beleza natural é a Irlanda, a verdade é que a paisagem asturiana me faz lembrar as imagens que tenho visto da Irlanda, estas montanhas tão verdes, a proximidade cultural, as raízes celtas, até os trajes tradicionais e o uso da gaita de foles me transportam para lá.

Chegados a Niembro, estacionamos junto à estrada, porque as ruas da povoação parecem estreitas demais para comportar trânsito. Seguimos a pé as indicações de praia. O caminho, mesmo dentro da povoação é bastante íngreme. Passam alguns carros por nós e começamos a sentir que possivelmente deixámos o carro longe de mais. Atravessamos toda a povoação e estamos agora numa zona de colinas suaves e somos surpreendidos pela vista do mar à nossa direita. Estranhamente calmo, parece um vasto espelho de água, mais lago do que mar. Ao fundo avistamos a praia de Toranda e comentamos que a água deve ser muito fria por haver tão pouca gente na água, quando achamos que está tanto calor. Serpenteiam à nossa frente vários caminhos que atravessam estas colinas. Os campos têm um tom amarelado devido ao restolho, foram ceifados recentemente, os fardos de silagem ainda estão na terra. Subimos, subimos, subimos. Há carros estacionados dos dois lados da estrada, a decisão de ter  deixado o carro longe já parece mais acertada.
Quem sobe tem que descer e, assim que o começamos a fazer avistamos a praia de Torímbia. É uma praia em forma de concha, muito semelhante à forma da praia de S. Martinho, mas muito mais pequena. Está rodeada por esta colina que a aconchega e protege e ladeada por formações rochosas, a areia é muito branca. Do lugar onde nos encontramos, conseguimos perceber a transparência das águas, porque se vê o fundo de areia e as rochas. A caminhada é penosa, está muito calor, mas nada nos faria desistir agora.
Em Roma, sê romano, à nossa frente um casal atalha pelo meio da colina, apesar de ser uma descida íngreme, fazemos o mesmo. A descida termina junto a um restaurante que fica escondido num canto da praia, cuja esplanada está cheia de gente ruidosa e com ar bem disposto. Descemos um pouco mais e eis-nos chegados à praia.
Fomos imediatamente para a água, que estava ótima, contrariamente às nossas suposições. É macia, transparente e a ondulação é suave. Sem exageros, foi dos melhores banhos de mar da minha vida, talvez tenha sido da antecipação. Passamos o resto da tarde ali, creio que pelo meio houve mais umas sestas. Depois regressamos ao parque e o dia terminou sem história, mas com glória.

É preciso ainda fazer um parêntesis: a praia de Torímbia, talvez pela sua localização e difícil acesso é uma praia de naturistas, não só , mas também, pormenor que incomodou um pouco os membros mais jovens da expedição…

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