Depois de uma interupção, longa, volto à crónica de viagem. Não gosto de deixar coisas por terminar. Ainda estou na Ruta del Cares...
Antes do paraíso,
paramos a ler uma placa informativa que diz mais ou menos o seguinte: “Rota
perigosa. Desprendimento e queda de pedras em todo o percurso. Caminho traçado
sobre a rocha sem proteção. Tome especial cuidado. Proibido andar de bicicleta.”
O aviso vinha perfeitamente a tempo, tínhamos acabado de fazer a tal rota
perigosa. A verdade é que nunca senti o perigo, não sou aventureira, sou mais é
inconsciente. Não penso muito antes de fazer as coisas. Sei, depois da dureza
da rota, que valeu a pena, que a faria outra vez, que gostaria imenso de
voltar. Foi, sem dúvida, das experiências que mais gostei.
Mais placas a
informar que a senda não terminava ali. Se a memória não me engana, creio que
ainda era possível seguir pela mesma rota durante cerca de vinte quilómetros. Está
provado, aqui caminha-se a sério e, sem surpresa, vi muita gente a continuar. Espantada
ainda, vi muita gente que me tinha ultrapassado de manhã a inverter caminho e a
preparar-se para fazer todo o percurso de volta. Do nosso grupo, sou sem dúvida
a que está mais quebrada. Não consigo sequer encarar a hipótese de ter que
voltar e sobe-me pelo corpo o arrependimento de não ter comprado os bilhetes
para o regresso em Poncebos…
Uma coisa de
cada vez. Aprendi com os anos a não demonstrar aos outros as minhas apreensões.
Agora vejo imensa gente sentada à beira do rio, também há gente deitada a
dormir, há outros que se descalçaram e se encavalitaram nas pedras do rio
deixando que a água lhes vá lavando dos pés o ardor e o cansaço da caminhada. Para
já, é só nisso que penso. Descalço-me, vacilo sobre as pedras que me magoam,
persisto e não desisto. Lá me arrumo de maneira pouco confortável, mas não
haverá nada que me possa demover de sentir a frescura da água. É uma sensação
indescritível, mas metade do prazer esvai-se perante a temperatura cortante da água:
rio de montanha, água gelada, mas tão boa.
O passo
seguinte é o gelado. Por entre as árvores avista-se o perfil de uma construção
de madeira. Estamos perto. Não é que a dita construção é uma loja de recuerdos que vende gelados e são quatro
calipos de limão. Pergunto ao rapaz
que nos atende se ainda estamos longe de Caín e ele responde-me que faltam
cerca de cinco minutos. Pergunto pelos autocarros – pequeno susto – diz-me que
o último sai às quatro (são 15:45!). Alerta-me para a possibilidade de já não
haver bilhetes – grande susto. De repente a possibilidade de, àquela hora e
naquele estado, ter de fazer o caminho de volta parece bastante plausível. Penso
na minha filha de 11 anos e, mentalmente dou-me uma grande repreensão.
Voltamos ao
caminho. Nem cinco minutos decorreram antes de entrarmos nas ruas estreitas e
parcas da aldeia de Caín. Desculpem, não me lembro de mais nada, senão de ver
dois autocarros estacionados num pequeno largo, uma esplanada a que não
consegui achar graça e a grandes letreiros a anunciar o número através do qual
poderíamos chamar um táxi.
Um bocadinho à
toa, alinhei na fila junto aos autocarros, fui percebendo que havia mais gente
na mesma situação. Os motoristas perguntaram quem tinha já bilhetes. Eram
muitos, porque seria? Separaram os grupos, de um lado os eleitos, do outro os
condenados, teriam que separar o trigo do joio vendendo mais bilhetes. O
autocarro enchia-se rapidamente, quando me parecia que já não faltariam mais do
que seis lugares, consegui os nossos bilhetes. Estávamos salvos! A salvação nem
sempre é simples nem barata. O motorista explicou-me (é preciso que se note que
nestas coisas sou sempre eu que falo enquanto o resto do corpo da expedição
assobia para o lado ou se faz descaradamente de morto) que o autocarro nos
levaria até Cangas de Onis, que aí teríamos que mudar de autocarro para
seguirmos até Poncebos, mas nem tudo era mau, o autocarro faria uma paragem no
parque de estacionamento antes de Poncebos. Este percurso custou a módica
quantia de 50 euros. Parece-me que a empresa Alsa não deve ter problemas
de solvência…
Claro que estas reflexões faço-as agora, algumas semanas depois. Na
altura, só senti um doce alívio quando atirei o meu corpo cansado para os
lugares que me destinaram.
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