quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O Chá (IV)

Obrigou-se a pensar nela, àquela hora havia mãos quentes a tomarem-lhe os seios, a apertá-los, uma boca ávida sugava-lhe os mamilos. Ouvia-a a respirar pesadamente, cada vez mais depressa. Sabia muito bem os sons que ela emitia quando estava no cio. Ela tirava a camisola fina, por cima da cabeça, o cabelo descompunha-se, não havia tempo para o tirar da cara. Ela estava por cima, abelha-mestra, mexia-se, as mãos apoiados no peito dele. O primeiro gemido soltou-se-lhe da boca. O gemido despertou-o, porque foi ele que gemeu. Pegou na colher e mexeu o líquido. Extenuado, caiu sobre a cama, como se a tivesse amado ali, como tinha amado e agora era inexorável. Os olhos ficaram parados na janela e de novo gostou da luz que vinha de fora, das sombras que as árvores da praça projetavam na parede e seguiu esse movimento. Era preciso acabar, deixar tudo pronto para a sua hora, aquela hora em que se decidira, em que se via muito mais decidido do que ela alguma vez tinha imaginado, e riu-se e voltou a sobressaltar-se com o som do seu riso. Quer era isto? Não podia fazer barulho, era preciso que tudo ficasse inominável.
            Rebolou para o seu lado da cama, ajeitou a almofada entre o ombro e o pescoço e estava bem. Sem querer enroscou-se e, tudo pronto, preparou-se para dormir. De repente, abriu os olhos para o escuro, uma exclamação saiu-lhe da boca, faltava uma coisa: a chávena dele. Era preciso compor o cenário, para parecer que se tinha cansado de esperar. Empurrou o cansaço, empurrou com força e ergueu-se ainda uma vez. Com passos pouco seguros foi à cozinha e trouxe a outra chávena que pousou sobre a sua mesinha. Deitou-se, respirando profundamente e ficou à espera no escuro. Sem saber como, o cansaço regressou e tomou-o na sua lassidão e adormeceu.


            Estremunhado, acordou perdido, sobressaltado, sem saber bem o que o despertara. Procurou na mesa ao lado o relógio. Os ponteiros fosforescentes indicavam cinco da manhã. Confuso, procurou lembrar-se do dia, seria dia de trabalho? Não, hoje não ia trabalhar. De repente assomou-lhe ao espírito a sua noite, recuperou tudo com rapidez. Ela ainda não tinha chegado. Então o que tinha feito com que despertasse? Ao ouvir o ruído metálico da fechadura, percebeu. Ela estava a chegar. Chegava assim também a hora decisiva. Chegaram juntas, ela e a hora. Cautela, era preciso desempenhar bem o seu papel – afinal era o papel principal, e a letra de uma canção insinuou-se no espírito. Virar-se para a parede, assim quando ela entrar não descortinará o seu rosto. Pediu mentalmente que ela não fizesse nada para o acordar. Não poderia olhá-la sem evitar que algo do que nele se agitava e borbulhava viesse a explodir-lhe no rosto. Fez um esgar, era uma careta, não sabia que era tão ardiloso. Repetiu mentalmente as coisas que ela fazia, pendurava a carteira, agora estava a tirar os sapatos, primeiro um pé, depois o outro, enquanto andava ia desapertando a camisola e as calças, empurrou a porta da casa de banho, olhou-se no espelho, virando o rosto de um lado para o outro. O ruído indistinto de frascos que se entrechocavam confirmou-lhe tudo o que compusera com o espírito atento. Daí a pouco entraria no quarto, sem acender a lâmpada de cima para não o acordar. Ligaria o candeeiro da sua mesinha que espalharia uma luz branca em círculo. Havia de se despir em frente ao espelho, nesse momento gostaria de olhar para ela enquanto aquele corpo amado ia surgindo das roupas, primeiro as pernas, a visão das costas curvas, depois havia de se endireitar e tirar a blusa, o sutiã e pelo espelho ficavam visíveis os seios macios. Rapidamente, ela voltar-se-ia para o armário e escolheria uma peça leve e curta para dormir.
            Sobressaltou-se outra vez ao ouvir a porta do armário a fechar-se, ela já cumprira o seu ritual noturno. Sentiu a cama a afundar do lado dela quando ela se sentou. Reteve a respiração. Seguiu os olhos dela para o tabuleiro, sabia que ela olhava a chávena com o chá. Seria agora? Fez força para se conter, para não gritar para que ela parasse, que era veneno, chorando já no seu regaço abraçando-a, querendo que ela lhe prometesse tudo o que lhe tinha tirado nestes últimos anos. Claro que nada foi assim. Ela apagou a luz e deitou-se e ele abriu os olhos numa interrogação cega para o escuro. Será que bebeu o chá? Distraiu-se e tinha perdido o fio à meada e agora não sabia do que tinha imaginado aquilo que realmente acontecera.

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