Não nos deixar cair em tentação… mas
porquê? Quedas, dores, fracassos e tentações, as faces do autoconhecimento. Quando
caímos em tentação, sabemos de antemão que vamos sofrer. E quando passamos a
vida sem cair em tentação, não sofremos de coisas bem piores, desta náusea que
o nosso poeta maior tão bem versejou? Como quero sofrer? De abulia? Ou conhecer
um vislumbre de felicidade, mesmo que depois seja a queda livre? Cair em tentação,
segundo a maga que lhe lia o destino, era subir uns degraus na Grande Montanha,
mas pelo caminho mais espinhoso e doloroso. Ora bolas! Melhor os conselhos para
seguir uma alimentação saudável do que este somatório de clichés. Ah, sim?! Então
porque continuas a a ler? Porque assim subo a Grande Montanha a voar, pois não
hei de errar mercê destes valiosos conselhos. Porque há os que gostam de
caminhar calmamente até lá acima. Os que caem na tal tentação arriscam a
vertente escarpada e as quedas livres. Parece bem mais picante. Pois que seja –
continuava a leitura da previsão – a verdade é que todos os caminhos vão dar a Roma,
ou seja, ao Céu. (!?) O Mago recorda-lhe que tem tudo latente em si. Era muito
sábio aquele Mago, ou seria apenas um ente atento que sabe que é sempre assim? Não
há circunstâncias certas nem perfeitas – verdade – há uma tomada de consciência
que acontece em qualquer altura da vida. A sua tinha-a a levado ao horóscopo,
ou tinha sido o horóscopo a levá-la à tomada de consciência? Parece que a
epifania se propiciava nos casos de dor forte, circunstância que leva
fatalmente à compreensão de que é preciso querer mais. Ora ali estava a chave
epigramática do seu horóscopo de Novembro, ela queria mais, a mediania não era
para ela, vamos, vamos, vamos (estava assim na previsão).
Finalmente, a previsão que ela esperava que viesse ao seu encontro: atenção
ao dia de hoje, aguarda-a uma surpresa inesperada – claro que sim, se fosse
esperada não era surpresa, toda a gente sabe como é difícil fazer festas surpresa.
E ela, com algum ceticismo, pôs-se literalmente a olhar em volta de soslaio como
se houvesse por ali uma surpresa guardada por alguém a pontos de saltar e
tornar real aquele horóscopo tão simpático que havia de colorir o seu domingo
cinzento, a sua vida de mediania, de compensar a sua opção pela comida saudável,
a ousadia em ter deixado de fumar. Sim, afinal havia alguma justiça cósmica e
estava a ser direcionada para si. Os planetas alinhavam-se, resolviam as suas
tensões, as quadraturas eram as mais propícias, a Lua, estava a entrar na casa
de Aquário, Saturno recuava e Vénus triunfava. Era hoje! Mas não para já que os
filhos estavam a entrar em casa e o marido também, portanto o cosmos teria que
esperar para corrigir a sua trajetória.
Mais tarde, nesse domingo, teve que dar razão ao cosmos: sem que ela
pedisse, os filhos tinham posto a loiça na máquina e tinham-na posto a lavar e
ela não teve que dizer nada. Nunca, nunca mais desdenharia o horóscopo. Ansiava
pelo horóscopo de Dezembro.
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