segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Horóscopo de novembro (Fim)

            Não nos deixar cair em tentação… mas porquê? Quedas, dores, fracassos e tentações, as faces do autoconhecimento. Quando caímos em tentação, sabemos de antemão que vamos sofrer. E quando passamos a vida sem cair em tentação, não sofremos de coisas bem piores, desta náusea que o nosso poeta maior tão bem versejou? Como quero sofrer? De abulia? Ou conhecer um vislumbre de felicidade, mesmo que depois seja a queda livre? Cair em tentação, segundo a maga que lhe lia o destino, era subir uns degraus na Grande Montanha, mas pelo caminho mais espinhoso e doloroso. Ora bolas! Melhor os conselhos para seguir uma alimentação saudável do que este somatório de clichés. Ah, sim?! Então porque continuas a a ler? Porque assim subo a Grande Montanha a voar, pois não hei de errar mercê destes valiosos conselhos. Porque há os que gostam de caminhar calmamente até lá acima. Os que caem na tal tentação arriscam a vertente escarpada e as quedas livres. Parece bem mais picante. Pois que seja – continuava a leitura da previsão – a verdade é que todos os caminhos vão dar a Roma, ou seja, ao Céu. (!?) O Mago recorda-lhe que tem tudo latente em si. Era muito sábio aquele Mago, ou seria apenas um ente atento que sabe que é sempre assim? Não há circunstâncias certas nem perfeitas – verdade – há uma tomada de consciência que acontece em qualquer altura da vida. A sua tinha-a a levado ao horóscopo, ou tinha sido o horóscopo a levá-la à tomada de consciência? Parece que a epifania se propiciava nos casos de dor forte, circunstância que leva fatalmente à compreensão de que é preciso querer mais. Ora ali estava a chave epigramática do seu horóscopo de Novembro, ela queria mais, a mediania não era para ela, vamos, vamos, vamos (estava assim na previsão).
Finalmente, a previsão que ela esperava que viesse ao seu encontro: atenção ao dia de hoje, aguarda-a uma surpresa inesperada – claro que sim, se fosse esperada não era surpresa, toda a gente sabe como é difícil fazer festas surpresa. E ela, com algum ceticismo, pôs-se literalmente a olhar em volta de soslaio como se houvesse por ali uma surpresa guardada por alguém a pontos de saltar e tornar real aquele horóscopo tão simpático que havia de colorir o seu domingo cinzento, a sua vida de mediania, de compensar a sua opção pela comida saudável, a ousadia em ter deixado de fumar. Sim, afinal havia alguma justiça cósmica e estava a ser direcionada para si. Os planetas alinhavam-se, resolviam as suas tensões, as quadraturas eram as mais propícias, a Lua, estava a entrar na casa de Aquário, Saturno recuava e Vénus triunfava. Era hoje! Mas não para já que os filhos estavam a entrar em casa e o marido também, portanto o cosmos teria que esperar para corrigir a sua trajetória.

Mais tarde, nesse domingo, teve que dar razão ao cosmos: sem que ela pedisse, os filhos tinham posto a loiça na máquina e tinham-na posto a lavar e ela não teve que dizer nada. Nunca, nunca mais desdenharia o horóscopo. Ansiava pelo horóscopo de Dezembro.

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