quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Horóscopo de novembro

Horóscopo de Novembro

            Era domingo, o primeiro domingo do mês de Novembro. Estava sozinha em casa, um bocadinho sozinha, momento raro. Como sempre acontecia nessas horas, pelas quais ansiava nos dias de semana, sentia-se um pouco perdida, sem norte. Aquela urgência de preencher espaços em branco. Muitas vezes acabava na cozinha, escondendo no prazer de cozinhar o medo de estar consigo mesma. Naquele domingo fugiu de si sem ir para a cozinha. Ligou o seu computador e começou a correr as páginas. Abriu, por inércia, a página do horóscopo. Procurou o seu signo. Sorriu perante as opções: horóscopo diário, horóscopo semanal, horóscopo mensal e horóscopo amoroso. Meu Deus, que falha, porque não havia um horóscopo quinzenal? Foi clicando, foi lendo os vaticínios que a esperavam: cuidado com a saúde, não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti, Saturno em linha com a Lua, trânsito de Vénus. Abriu o separador para a leitura mensal.
            Com o eclipse solar a decorrer na sua casa de carreira, Novembro será um mês trabalhoso e intenso, em que vai ter que lidar com muita informação e vai ter que encontrar a melhor maneira de a gerir. Chefes conscienciosos vão lá estar para dar uma ajuda e apoio à margem, colegas fantásticos irão guiá-lo quando as coisas se tornarem pesadas. Uma das características deste mês vai ser a necessidade de processar informação que tinha ficado enterrada no passado, que poderá ter a ver com a pessoa que ama. Risco de alguma perturbação sentimental, com desfecho surpreendente e algo agressivo. Um novo amor tende a surgir e dará início a um excelente período. Esta é a carta da apatia, do tédio, da área cinzenta, do mau humor. Na saúde (e na doença?), estão favorecidos os tratamentos ortopédicos. Para garantir um bom ritmo intestinal, é muito importante beber cerca de dois litros de água ao longo do dia, o que equivale a dez ou doze copos (de que tamanho?). Se o tabaco ainda é um dos seus vícios sagrados, ouse em o reduzir fortemente (e os erros de português, também podemos ousar em os reduzir?). “Não espere uma crise para descobrir o que é importante na sua vida” (Platão) (Assim mesmo!). E havia mais do mesmo género: desde a leitura das cartas – e nunca eram as mesmas – ao trânsito de planetas, asteróides e estrelas de variadíssimo tamanho e importância, aos conflitos entre Úrano e Saturno, sem qualquer referência à Terra, passando pelo oráculo da saúde, da cabeça aos pés.
            Nisto, ela deteve-se numa frase que dizia que havia a possibilidade de um amor do passado regressar, trazendo desenvolvimentos emocionantes. Um amor do passado? Neste momento da sua vida, todos os amores lhe pareciam do passado e seria bom que todos conhecessem desenvolvimentos emocionantes. Sabemos que estamos a morrer, ou pelo menos que já não estamos na Primavera da vida, ou que já é Outono, quando começamos a olhar para nós e tomamos consciência de que são mais as coisas que já não poderemos fazer do que aquelas que nos falta fazer. A vida, quando se é jovem - muito jovem - é um imenso mar de possibilidades. Podes mudar de rumo, de profissão, de namorado, de país, de religião, de sexo. A mudança está lá, latente, fervente. Depois, começas a fazer as opções, porque viver é optar e, sem saberes, foste eliminando uma série de hipóteses. É isto. Optar é igual a eliminar. Escolhes uma área de especialização, tens que esquecer a outra. Se queres ser Arqueóloga, não poderás ser Física Teórica. Apaixonaste-te por uma pessoa e casaste, em princípio, não convém que te apaixones outra vez, pelo menos, que não te apaixones muitas vezes. Tiveste filhos, não podes sair à noite. Não podes sair à noite, não podes rir das farras com os teus amigos, com quem não saíste à noite. Os filhos precisam de ti, não podes aceitar aquela oportunidade de trabalho na Austrália que tem a tua cara. Mas, podes olhar todos dias para a cara dos teus filhos e decidires que estás no lugar certo. A Austrália, tanto quanto se sabe também não vai sair do seu lugar por muitos anos. Queres controlar a tua fertilidade, tens menos prazer e liberdade no sexo, pelo menos tens de pensar se é seguro naquele dia. Outra coisa que vem com os filhos é que já não pode ser onde e quanto te apetece. Começas, mesmo que não queiras, a lembrar-te daquelas vezes em que foi tão bom perder a cabeça. Não queres pensar, tomas a pílula. Tomas a pílula, lá se vai a libido, logo tens menos vida sexual. De repente, mesmo que queiras, não podes ter mais filhos. Nunca mais sentirás um corpo a mexer dentro do teu, nunca mais pegarás numa mão frágil como pétalas de flores e a vais acariciar com tanto cuidado, porque tens medo que se quebre entre os dedos. Engordaste, tens celulite. Emagreceste, perdeste firmeza. Engordaste outra vez, tens ainda mais celulite e mais flacidez. E não é preciso continuar, está-se mesmo a ver onde é que estas contas vão parar. Tanto num caso como noutro, há biquínis que não vais poder usar, isto se mantiveres o sentido do ridículo. Se o tiveres perdido, porque recusas que as possibilidades são cada vez menos, sendo ridícula, perdes a hipótese de te levarem a sério. Ás vezes, apetece mesmo que não nos levem a sério, noutras dá jeito. O teu rosto ganha novas curvas, são rugas. Se compras cremes para as rugas, é porque já não podes comprar creme para a acne.

Entre estas escolhas está a vivência do amor. 

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