Horóscopo de
Novembro
Era domingo, o primeiro domingo do
mês de Novembro. Estava sozinha em casa, um bocadinho sozinha, momento raro.
Como sempre acontecia nessas horas, pelas quais ansiava nos dias de semana,
sentia-se um pouco perdida, sem norte. Aquela urgência de preencher espaços em
branco. Muitas vezes acabava na cozinha, escondendo no prazer de cozinhar o
medo de estar consigo mesma. Naquele domingo fugiu de si sem ir para a cozinha.
Ligou o seu computador e começou a correr as páginas. Abriu, por inércia, a
página do horóscopo. Procurou o seu signo. Sorriu perante as opções: horóscopo
diário, horóscopo semanal, horóscopo mensal e horóscopo amoroso. Meu Deus, que
falha, porque não havia um horóscopo quinzenal? Foi clicando, foi lendo os vaticínios
que a esperavam: cuidado com a saúde, não faças aos outros aquilo que não
queres que te façam a ti, Saturno em linha com a Lua, trânsito de Vénus. Abriu
o separador para a leitura mensal.
Com o eclipse solar a decorrer na
sua casa de carreira, Novembro será um mês trabalhoso e intenso, em que vai ter
que lidar com muita informação e vai ter que encontrar a melhor maneira de a
gerir. Chefes conscienciosos vão lá estar para dar uma ajuda e apoio à margem,
colegas fantásticos irão guiá-lo quando as coisas se tornarem pesadas. Uma das
características deste mês vai ser a necessidade de processar informação que
tinha ficado enterrada no passado, que poderá ter a ver com a pessoa que ama.
Risco de alguma perturbação sentimental, com desfecho surpreendente e algo agressivo.
Um novo amor tende a surgir e dará início a um excelente período. Esta é a
carta da apatia, do tédio, da área cinzenta, do mau humor. Na saúde (e na
doença?), estão favorecidos os tratamentos ortopédicos. Para garantir um bom
ritmo intestinal, é muito importante beber cerca de dois litros de água ao
longo do dia, o que equivale a dez ou doze copos (de que tamanho?). Se o tabaco
ainda é um dos seus vícios sagrados, ouse em o reduzir fortemente (e os erros
de português, também podemos ousar em os reduzir?). “Não espere uma crise para
descobrir o que é importante na sua vida” (Platão) (Assim mesmo!). E havia mais
do mesmo género: desde a leitura das cartas – e nunca eram as mesmas – ao
trânsito de planetas, asteróides e estrelas de variadíssimo tamanho e importância,
aos conflitos entre Úrano e Saturno, sem qualquer referência à Terra, passando
pelo oráculo da saúde, da cabeça aos pés.
Nisto, ela deteve-se numa frase que
dizia que havia a possibilidade de um amor do passado regressar, trazendo
desenvolvimentos emocionantes. Um amor do passado? Neste momento da sua vida,
todos os amores lhe pareciam do passado e seria bom que todos conhecessem
desenvolvimentos emocionantes. Sabemos que estamos a morrer, ou pelo menos que
já não estamos na Primavera da vida, ou que já é Outono, quando começamos a
olhar para nós e tomamos consciência de que são mais as coisas que já não
poderemos fazer do que aquelas que nos falta fazer. A vida, quando se é jovem -
muito jovem - é um imenso mar de possibilidades. Podes mudar de rumo, de
profissão, de namorado, de país, de religião, de sexo. A mudança está lá,
latente, fervente. Depois, começas a fazer as opções, porque viver é optar e,
sem saberes, foste eliminando uma série de hipóteses. É isto. Optar é igual a
eliminar. Escolhes uma área de especialização, tens que esquecer a outra. Se
queres ser Arqueóloga, não poderás ser Física Teórica. Apaixonaste-te por uma
pessoa e casaste, em princípio, não convém que te apaixones outra vez, pelo
menos, que não te apaixones muitas vezes. Tiveste filhos, não podes sair à
noite. Não podes sair à noite, não podes rir das farras com os teus amigos, com
quem não saíste à noite. Os filhos precisam de ti, não podes aceitar aquela
oportunidade de trabalho na Austrália que tem a tua cara. Mas, podes olhar
todos dias para a cara dos teus filhos e decidires que estás no lugar certo. A
Austrália, tanto quanto se sabe também não vai sair do seu lugar por muitos
anos. Queres controlar a tua fertilidade, tens menos prazer e liberdade no sexo,
pelo menos tens de pensar se é seguro naquele dia. Outra coisa que vem com os
filhos é que já não pode ser onde e quanto te apetece. Começas, mesmo que não
queiras, a lembrar-te daquelas vezes em que foi tão bom perder a cabeça. Não
queres pensar, tomas a pílula. Tomas a pílula, lá se vai a libido, logo tens
menos vida sexual. De repente, mesmo que queiras, não podes ter mais filhos.
Nunca mais sentirás um corpo a mexer dentro do teu, nunca mais pegarás numa mão
frágil como pétalas de flores e a vais acariciar com tanto cuidado, porque tens
medo que se quebre entre os dedos. Engordaste, tens celulite. Emagreceste,
perdeste firmeza. Engordaste outra vez, tens ainda mais celulite e mais
flacidez. E não é preciso continuar, está-se mesmo a ver onde é que estas
contas vão parar. Tanto num caso como noutro, há biquínis que não vais poder
usar, isto se mantiveres o sentido do ridículo. Se o tiveres perdido, porque
recusas que as possibilidades são cada vez menos, sendo ridícula, perdes a
hipótese de te levarem a sério. Ás vezes, apetece mesmo que não nos levem a sério,
noutras dá jeito. O teu rosto ganha novas curvas, são rugas. Se compras cremes
para as rugas, é porque já não podes comprar creme para a acne.
Entre estas escolhas está a vivência do amor.
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