sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Horóscopo de novembro (II)

        Entre divertida e desalentada continuou a leitura. Incomodava-a aquela sensação de insatisfação. O desejo de viver uma reviravolta, de se emocionar, de vibrar. Enterrar a estranheza que lhe vinha da sensação de que na sua vida não havia tempo para a vida. Sem resistir continuou a percorrer as diferentes janelas da página astral. Um desejo infantil de que naquele arrazoado sem lógica lhe fosse apontado um caminho, se abrisse uma porta, de que uma centelha pudesse ser avistada e depois acarinhada e depois alimentada e que crescesse e que a vida fosse plena, fremente. Que dali crescesse um fogo destruidor. Que ela pudesse renascer das cinzas. Mais uma previsão que ela conseguiu adaptar ao seu estado de espírito: uma quadratura (relação de tensão) da Lua com Mercúrio pode trazer-lhe alguma confusão (mais!?) em termos de ideias ou simplesmente perda de lucidez. E isto era uma promessa ou uma ameaça. Dada a sua abulia, podiam ser as duas coisas ao mesmo tempo, ameacem-me com uma promessa, é disso que eu preciso. Quem dera perder a lucidez, agir irresponsavelmente, não ponderar, não calcular, não medir, não planear, não se prender em teias que se iam, que ia, tecendo à sua volta e nas quais se via cada vez mais enredada. Sim, sim, queira deus que a Lua vá de encontro a Mercúrio e que daí resulte um choque cósmico capaz de a abalar. Agora, só com um choque cósmico é que lá conseguia chegar.
            Entretanto, já outro mentor apontava soluções que nunca teriam ocorrido a pessoas de bom senso. Um entre aqueles que ela desdenhava, mas continuava a ler, enfeitiçada, encontrando sinais que lhe permitiam interpretar a sua existência à luz de oráculos que o acaso lhe punha à frente, atribuindo sentidos a palavras que navegavam no mundo virtual para que mulheres crédulas e incrédulas as procurassem e nelas se vissem refletidas – a menos que não fumassem, porque uma das recomendações não fazia sentido para todas elas (ver acima). Este alertava para a sensibilidade em relação a tudo o que a rodeava – verdade – sobretudo em relação às milhentas tarefinhas que sempre a esperavam: arrumar, preparar, organizar, verificar… oh, oh, dizia que facilmente se apercebia do estado de espírito das outras pessoas, disto não duvidava, filhos e marido estavam sempre num estado de espírito que os convidava a esperar que a iniciativa partisse dela. Isso ela sabia. Acrescentava a possibilidade de sentir necessidade de manter secretos os sentimentos, conselho inteligente, sem dúvida, porque era de todo inconveniente que se soubesse que ela vivia presa de uma impaciência tão grande que a sufocava. Quanto à hipótese de sentir maior necessidade de, nesta fase, passar mais tempo com as pessoas que lhe são queridas, foi a primeira escorregadela que viu naquele horóscopo de novembro. E se, pelo contrário, a sua urgência fosse passar tempo longe das pessoas que lhe eram queridas? Que leituras não se fariam se ela verbalizasse essa fome de solidão. Pode a solidão ser uma necessidade? Pode.

            Uma vez mais, foi salva por um clique, mudou de página e viu-se na eminência de ter que seguir uma vida saudável, sob pena de ter um dia difícil de não poder controlar as emoções. Era melhor era, não fosse o dique romper-se de vez e ela nunca mais conseguir encontrar aquele equilíbrio delicado feito de pés em pontas (mas as bailarinas dançam em pontas…). Nada como controlar as emoções, um bom conselho viesse ele de onde viesse. Este guru avisava-a agora, só agora, de que a semana ia ser de grande exigência. Se os astros soubessem, se olhassem mais para os homens comuns e anónimos cá em baixo, não vaticinariam tantas evidências – todas as semanas são exigentes, duras, violentas e, ainda assim, é preciso cavalgá-las como quem equilibra um barco na crista da onda, afastando-o do naufrágio.

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